@Ana
- Abo!
Desloco a cabeça para os lados tentando descobrir se está alguém ao redor.
- Abo! Ê cumá?
Não, é mesmo comigo.
Malam, na elegância de um sorriso aberto e com reduzido número de dentes, dirige-se a mim confiante. Estende o braço do seu traje colorido e dispara frases em crioulo. Pergunta e responde sem se preocupar com o meu silêncio. Coloca a mão no meu ombro e, como que abre a cortina do teatro, começa a contar-me num português precário a sua terra.
Fala das cabras e do seu andar de domingo na rua, entre os restos de plástico e as cascas de fruta. Aponta as crianças que riem alto e brincam, apesar dos pés nus no asfalto. Oh, e como se delicia a olhar as mulheres, deusas em desfile enquanto o corpo sucumbe pelo filho colado às costas e a saca de arroz à cabeça.
Desligo-me da paisagem por um instante. Suspensa em Malam, o poeta improvisado da aldeia africana, berço da iliteracia, que ilumina o caminho e, talvez, um pouco do seu país.
Compreendo e aprendo a ir com ele.
Repito: Nô bai! E vou.
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