28.7.10

Ao Sr. Sincero

@Ana


Em diálogo com a manhã, livro aberto sobre as pernas.
A porta fecha-se devagar, a menina sai pela claridade, ao encontro do homem.

Ele sorriu-lhe sem falar.
Ela falou sem pensar.


"Vamos dar uma volta?" - meigo convite do Sr. Sincero.
"Sim." - gemeram os olhos da menina.

Ele guardou o livro na mala, ela envolveu os braços ao longo do corpo, ambos a divagar nos truques da ansiedade. A velhinha aldeia aplaudiu os seus passos, contrariando a ausência das ruas, chorando no ar a esperança de algo novo.


Não disseram adeus.

São força e distância.



Esta noite a menina manda o último beijo ao Sr. Sincero.

25.7.10

O amor

@Ana


Duas mãos dançavam juntas, numa cumplicidade que me raptou os pensamentos.
Atrás, no banco do carro, observei como os dedos se conheciam e se confundiam para depois se encontrarem. Naquele instante reconheci...

O amor é um mergulho no mar. Sal que sangra, um susto de sonho, o suor da melodia a dois.



Habitamos as palavras antes de as sentirmos.
É difícil o exercicío da compreeensão, de ultrapassar a clausura das ideias e deixar o coração ser.

Mas acontece. É uma das páginas dessa misteriosa obra. É um dos passos do tempo da partilha.


Dançemos assim...

19.7.10

O tesouro

@Ana


Ardia o entardecer na silhueta dos montes.
Segui a luz, de infinito a infinito, descodificando os instantes mudos da paisagem.

O acontecer tornou a Terra viva, bailarina celeste, mãe e escrava do homem. 

Existimos sem pensar?


O sonho nómada descansa...

Ao sopro do ar apazigua-se a noite.
Junto as mãos.
Agradeço.

14.7.10

A paixão

@Ana


Ele já foi alto, de peito audaz e passadas longas. Os olhos estremeciam no chão e eu guardava em segredo a confusão. Foi-se o tempo.

Mais tarde tropecei, eram tantos os socalcos, o abismo que ele trazia no olhar. Eu fui, impondo a confiança, convencendo-me que agora seria momento. Ele consentiu, adiando a partida. 


Os instantes sucederam-se, assim cresci, na sombra da palavra.


E então desenhei! O meu amor em murmúrio. Na parede, amparada pelo sonho, eu esperava...

Dormia a ansiedade aquando da tua intromissão. O senhor que recusou o plural.
Frágil. A menina quase mulher embalou... És tu. Sinto. Ainda a meu lado. 


O desenho... 

12.7.10

Declaração

@Ana



Chove.
Ninguém se apercebe mas na minha mente as palavras derrubam as esperanças.


 Mastigo a tristeza. Sobre uma súbita lucidez tento encontrar-me.



Arrisco pelo impulso inocente. Ao lado o Pedro Miguel descobre a beleza de um lápis. A família vive em barulho intermitente e os seus olhos não se desviam do meu traço cabisbaixo. Menino curioso sorri e quer mais.

"Força, é a tua vez!"



Mergulho nas mãos do Pedro e esqueço.
Amanhã não será outro dia repetido.


Hoje fui em quem amo. Hoje dará até amanhã...

10.7.10

Apatia

@Ana


A noite celebra a morte dos meus olhos.
Levo a revolta até ao vento esperando pela cura.

Divide-se a dor na melodia das paredes.


Adeus luz.


7.7.10

O feitor

@Ana


O corpo apelava ao imediato retorno a casa. Entorpecida pelas ordens do carro fui seguindo a linha.
A um capricho troco de sentidos. Saio do confortável tapete de asfalto. Vou pelo caminho antigo, muros a conduzi-lo, ervas na berma, estreito e sem fim. Tudo é horizonte, ao lado verdes campos de arroz, em vertical sobrevivência, os canais de água a andar em silêncio pelas veias da terra.

Vou sem dores, embevecida pela beleza vizinha da minha casa.
Como não vi antes? Como fui muro e não voei?

Perdi-me. A estrada continua e eu já não sei bem qual é a minha direcção.
Peço para ficar aqui, suspensa nos raios de sol, sem devir e apenas indagando.
Somos uma condição adormecida e repetida? Os dias acumulam-se, somos os locais, obrigados a estar, o tempo que se impôs para cada matéria, cada passo, cada ideia. E assim suspira o vazio...

O caminho termina numa corrente de ferro, num cadeado. Passagem proibida. Abro a porta e procuro ajuda. Escondida pela cortina da porta uma senhora aguarda. Ao meu sorriso atrapalhado arrasta os pés para a rua e fala-me.

"Pois menina nós não temos a chave, só o feitor.
E ele mora longe."

Dois miúdos confirmam as meigas palavras da avô. Abalo e deixo um obrigado.
Penso no feitor. Penso nesta alegoria do presente.
Já não existem feitores. Ou será que foi só o titúlo que mudou? 
Como a estrada, de pedra para veludo.


Volto para trás.


Chego a casa sem respostas. Sem entender a ebulição do homem no tempo.

6.7.10

De costas

@Ana



Desliza abrupta a respiração.
Cai atenta a depressão.
Fato de gula e tronco saliente, venha a repressão.

Temo a sua indecisão na praça do mundo, no banco da vida...

Procura nos bolsos, aguarda a pista para o coração.


O vagar


@Ana


Não seja o existir contabilizado pelo esquecimento e sim pela exaltação.
Desisto da lamentação que torna a vida fraca e o amor lento.

Haja vagar no sangue, vulcão dos sentidos que se contêm em mim.

Reparem...
Os pássaros choram e devoram o ar em busca da sua resposta.
A laranjeira descansa na terra enquanto as formigas se atrapalham no trânsito do sobe e desce.

Deixo o meu livro, a concentração da mente anestesiada, fico tonta ao olhar para o lado.

Também adio...
Espero.

Pelo doce vencer da vontade... Vem!

1.7.10

Na estrada

@Ana


Não sei viver entre as trovoadas dos homens.
A desordem da voz, a escassez de juízo e uma alegria que se desvanece ao pestanejar das nuvens negras.
Não sei ser aqui. E não quero encurralar-me no labirinto.

Vou ao campo. Sigo o som dos passos desencontrados e as fronteiras do caminho que percorro. 
Vou a viajar, vou para ser. Junto dos melros, do sol que se deita nas laranjeiras e vê a beleza ser dourada. Mergulho os olhos até ser cega de verde, até o mundo ser o silêncio das folhas e o amanhecer um desejo cumprido. 

Respiro... 


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