23.5.11

Carmo


@Ana



Cai.
Desliza até à epiderme da terra para dar alegria aos passos dos bichos.
Cai e faz do espaço tempo.

Fica.
E é a cor que é desenho da praça,
aroma,
saudade,
cidade entranhada.


Os jacarandás choram.
Descoberta e acontecida, a paixão convida o adeus.


É roxa a pedra.
E as minhas mãos abertas.

25.4.11

As três badaladas


@Ana


São três da tarde e o sol desperta no fundo da chávena de café.
É quente a ternura que chega das esquinas. Sorri o pobre à flor em repouso no seu colo.
Do chão vem céu e ele olha para ela reparando na fortuna. Pedra da calçada que afaga todos os dias como lâmpada mágica com desejos em atraso.

São três da tarde e a cidade desfaz-se em borras e em cheiro.
Emigrar é uma parede. Dentro de um quarto, de uma casa, no canto onde se encontra a velhice.
As estórias fogem pelos beirais, escorregando até aos girassóis, revendo a vida na varanda.

São três da tarde.
Não há mais mesa, despediram-se os pombos e a manhã não deixou gorjeta.

5.4.11

Tentar o tempo


@Ana



Pensei ser simples.
Pendurei a tua ténue alegria e deixei o sol examinar.

Um fio de lã até ser espaço para ti. A minha boca a tentar, beliscando a tua liberdade.

Era desejo ver ossos. A perfeição de duas estradas até ao teu peito, uma ruga de solidão guardada pela nudez.
Até aceitares.



Chove. Depois das árvores, no fim do crime.
Chove. Chove. Chove.


31.3.11

Acorda


@Ana


Nasce-me tristeza.

Por ser sedentária de casa e da vila que me sorve.

Mastiga-me a rotina de manhã.
Levantar, esconder a alma em trapos, cmoer porque sim, trabalhar porque não...


E viagem?


( Recuso a cama e o sono enganado. Há mundo na curva, paixão a despir. )

5.3.11

Escolhas


@Ana



Aceitar? Recusar?

Partir? Ou ficar?

A cada momento uma escolha.

Olho a roupa dispersa, os genes que dou ao mundo dia a dia, recusando a intimidade das ideias.
Poderia hoje vestir-me de Menina-decidida-futuro-cumprido. Opto pelo azul.

A casa despede-se e os calcanhares seguem o desenho do sol no alcatrão. Converso com a sombra, a ver se, generosa, me oferece sugestões. Admito por fim a natureza...


Os bichos, fingidos de homens, para sempre serão bichos.


Aurícula direita resmunga para ventricúlo esquerdo.

Aperto-lhe a mão, digo obrigado e suspiro.

Escolha feita: fico deste lado. O esquerdo.

16.2.11

Malam, o poeta da aldeia


@Ana



- Abo!
Desloco a cabeça para os lados tentando descobrir se está alguém ao redor.
- Abo! Ê cumá?
Não, é mesmo comigo.

Malam, na elegância de um sorriso aberto e com reduzido número de dentes, dirige-se a mim confiante. Estende o braço do seu traje colorido e dispara frases em crioulo. Pergunta e responde sem se preocupar com o meu silêncio. Coloca a mão no meu ombro e, como que abre a cortina do teatro, começa a contar-me num português precário a sua terra.

Fala das cabras e do seu andar de domingo na rua, entre os restos de plástico e as cascas de fruta. Aponta as crianças que riem alto e brincam, apesar dos pés nus no asfalto. Oh, e como se delicia a olhar as mulheres, deusas em desfile enquanto o corpo sucumbe pelo filho colado às costas e a saca de arroz à cabeça.

Desligo-me da paisagem por um instante. Suspensa em Malam, o poeta improvisado da aldeia africana, berço da iliteracia, que ilumina o caminho e, talvez, um pouco do seu país.

Compreendo e aprendo a ir com ele.
Repito: Nô bai! E vou.

9.2.11

O regresso


@Ana



Quase que o via da minha janela. O regresso.

Antecipando a estrada que tantas vezes fiz desenhei no horizonte o corpo, as curvas negras daquela terra que pelo tempo me foi conhecendo.

Ao toque dos grãos de areia nas pernas a doce sonolência do sol escorregava nas minhas costas. E o som de um menino a comer suspirado por uma brisa.

Era noite. Era agora. Cheguei.

29.1.11

Nome


@Ana



Finalmente compreendi.
Saberá o coração até onde, tu, irás. 

E ao meu corpo apenas basta isso. Levar-te.

12.1.11

O passeio


@Ana



Perguntam.        O que fazes?


Direi.                                Estou a aprender-me!


7.1.11

Gotas


@Ana


Abri as cortinas do dia e reparei nas últimas gotas da tarde. Presas à janela divertiam-se no esplendor do Inverno. A valsa continua pela rua, água que desce e se depara com novo tapete verde, pedra que descai de seu assento e se acomoda outra vez, homem que anda e reclama ao vento.

Do outro lado do vidro junto a mão às gotas. Reconheço o frio a chegar à pele, a aproximar-me do abrigo exterior. Depois da estrada, do muro, do portão, lá estão elas.

Árvores de vida longa.
Flores nuas que me viram nascer. 
Folhas que vão quando eu vou e aplaudem quando chego.


No dia do adeus cantem... Cantem ao entardecer o amor da menina pelas árvores, os bichos e a terra.
  

5.1.11

3 moedas

@Ana


Dancei com a mão até ao bolso e encontrei 3 moedas.
Não tinha nada, apenas 3 moedas.
E dali não vinha diálogo, consolo ou amor. Eram só 3 moedas.
Afinal, que tinha eu que me enchia a palma?
Numa linha os dedos obreiros, noutra um vale de desejos e aquelas a chegar a rio.
Pintadas de luz, 3 moedas.

Ao ar! 

Chumbo onde não viajam as lembranças. Para o bolso então…


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