19.10.10

Indagar

@Ana



Onde está a nossa consciência?
Seremos um perpétuo instante dormente?

Cada passo que dou, atenuado nas sucessivas camadas terrestres, impele-me a continuar a apatia.
E se fosse a carne nua a firmar-se na terra molhada de Outono, entre folhas e ramos, na transparente velhice da natureza? Sentir-me-ia então mais ser vivo? Mais bicho, como outros bichos que gatinham, caçam e procriam? Seria atento ao ar que mergulha no meu peito e à água que limpa a minha pele? Saberia estender a mão para além de mim?

Conforto.
Consumo.
Poder.

Será no meu umbigo o leito do mundo?

Quem sou eu no encontro com o outro?
Quem sou eu na paragem do autocarro à espera de boleia?

Rio que é corrente, jamais indiferente, utópico contente...
Vamos olhar em frente?

5.10.10

Ensaio

@Ana


A pedra gelava o seu corpo.
A carne, quase osso, adormecia no banco.
O barulho da estação envolvia a sua espera e recordava que não partiria só.

Passou um minuto. Ela não desistiu.
O bilhete suspenso na mão, com o dia e a hora de saída gravados a negro. Os olhos percorreram cada letra daquele papel, como se isso fosse já os primeiros passos no outro local. Repetia o destino, uma imagem abstracta desenhada no sussurro dos seus lábios.

Ao redor a vida palpitava.
As paredes nuas e envelhecidas acompanhavam o desfile das senhoras, as suas malas pelo chão, e a pressa dos cavalheiros, absortos pela música colada aos ouvidos, a atenção prisioneira do relógio.


Maria separa as mãos. Uma segura a mala, a outra o peito.
A ansiedade sepultada na garganta.

Ali estava o seu teatro da partida.
O início...

4.10.10

Quarto crescente

@Ana


No ventre da casa contam-se histórias,
ouvem-se os murmúrios da madeira
à espreita do revelar do amor.

Vou soluçando a confissão
ferindo os ossos do escuro,
tornado o teu sangue quente
à sinceridade falante.

Recua a carne.
Inspiro a indecisão e
caio nos lençóis.

Tocam-me dois dedos moribundos...
Desafio em vida.
Urgente em amar.


Nem de noite. Nem de manhã.
Nem de poema me faço.

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