29.11.10

Perfil


@Ana


A ansiedade não morre nos pingos de água que descem pela janela e o Inverno insiste em pernoitar dentro de mim. Lá fora, na pele, visto um sorriso e disfarço como a monotonia me adormece a vontade. Afinal há tanto aqui ao lado. Os gatos nos beirais, corpo arrimado à chaminé, o sono a chegar. A velhinha que arrasta a força e os tachos pela cozinha. O campo que não esmorece, sonata da vida em silêncio. 

Reparo que nascem raios de luz... Pequenos pontos indicando cor na medula dos meus sonhos.
Poderia sentar-me na sombra da paciência, esperar como quem vê o dia do início ao fim, uma e outra vez, um e outro dia. Saberia assim que cor tem a cor. Saberia desenhar a madrugada e a ternura nos telhados.

24.11.10

Norte nos pés

@Ana


Ali, latitude fria o mundo sussura.
Quase não se ouve, é suave e delicado, como os prados em que adormece a lavoura.
Ali não chegou a cacafonia virtual nem a mente poluída. Não existe ansiedade pela febre do amanhã.

Não se compete. Não se ignora. Não se destrói.


Os dias acordam iguais vestidos de cinzento e humidade. A água da noite ficou suspensa nos ramos das macieiras, já nuas, resistindo à estação que só agora começou. Aguardam quem lhes leve os filhos vermelhos para que o vento não lhos tire e os devolva à terra mãe. Mais adiante os abetos murcham, roubou-lhes o céu o sol e as visitas que recebem são poucas. Lá paramos e conversamos com um deles. Conta-nos do tempo onde a noite quase não chega, quando os esquilos se juntam para o baile da madrugada e os pássaros voltam ao prado no descanso das viagens. A melancolia respira debaixo dos nossos pés, em castanho e amarelo. Vagueamos sem rumo saboreando. Parece que a natureza bate as palmas à sua própria peça.


Pergunto-me se o paraíso fica perto... Se assim se escreve o sonho esquecido da humanidade... 
Admiro. Continuo, porque ainda não há lugar que seja o meu lugar. Fico na corda da poesia, no segredo que a vida me vai revelando em migalhas, na mão quente que a meu lado caminha. 

A Norte voltaremos.  

23.11.10

Segredos


@Ana



O homem corre e o mundo perde-se em luz, acção, tempo.
A vida é cuspida em baforadas. A alegria é inocente e quando reparo, já passou. Ficou para trás, e eu ainda veloz contra o escuro da manhã. Espio os dias pela virtude da resposta.


Vem o chão afogado em Outono.Vem a paz disfarçada numa menina. Vem a noite e uma cama.
Ah, viajar!


As mãos. Frias não são futuro, carregam paixão.

19.10.10

Indagar

@Ana



Onde está a nossa consciência?
Seremos um perpétuo instante dormente?

Cada passo que dou, atenuado nas sucessivas camadas terrestres, impele-me a continuar a apatia.
E se fosse a carne nua a firmar-se na terra molhada de Outono, entre folhas e ramos, na transparente velhice da natureza? Sentir-me-ia então mais ser vivo? Mais bicho, como outros bichos que gatinham, caçam e procriam? Seria atento ao ar que mergulha no meu peito e à água que limpa a minha pele? Saberia estender a mão para além de mim?

Conforto.
Consumo.
Poder.

Será no meu umbigo o leito do mundo?

Quem sou eu no encontro com o outro?
Quem sou eu na paragem do autocarro à espera de boleia?

Rio que é corrente, jamais indiferente, utópico contente...
Vamos olhar em frente?

5.10.10

Ensaio

@Ana


A pedra gelava o seu corpo.
A carne, quase osso, adormecia no banco.
O barulho da estação envolvia a sua espera e recordava que não partiria só.

Passou um minuto. Ela não desistiu.
O bilhete suspenso na mão, com o dia e a hora de saída gravados a negro. Os olhos percorreram cada letra daquele papel, como se isso fosse já os primeiros passos no outro local. Repetia o destino, uma imagem abstracta desenhada no sussurro dos seus lábios.

Ao redor a vida palpitava.
As paredes nuas e envelhecidas acompanhavam o desfile das senhoras, as suas malas pelo chão, e a pressa dos cavalheiros, absortos pela música colada aos ouvidos, a atenção prisioneira do relógio.


Maria separa as mãos. Uma segura a mala, a outra o peito.
A ansiedade sepultada na garganta.

Ali estava o seu teatro da partida.
O início...

4.10.10

Quarto crescente

@Ana


No ventre da casa contam-se histórias,
ouvem-se os murmúrios da madeira
à espreita do revelar do amor.

Vou soluçando a confissão
ferindo os ossos do escuro,
tornado o teu sangue quente
à sinceridade falante.

Recua a carne.
Inspiro a indecisão e
caio nos lençóis.

Tocam-me dois dedos moribundos...
Desafio em vida.
Urgente em amar.


Nem de noite. Nem de manhã.
Nem de poema me faço.

28.8.10

O despertar

@Ana



Pequenina, mal tremia as mãos, os seus pés ainda não sentiam o encanto da terra.

Apenas sabia que existia no mundo algo a que davam o nome de amor.

Lembra-se dos olhos. Os seus que se magoaram com a inesperada luz vinda de fora. Além de si, da carne que demorava a ser sua. Percebeu outros dois corpos, juntos, prolongando o fim da pele pelo toque das pernas e dos braços enquanto a seguravam. Por baixo de si um manto quente. Confortável decidiu observar. Sim, havia algo em eles.

 
Sim, haverá algo em ela…

24.8.10

É sempre um até já

@Ana



A mente acorda no ritual de todos os dias. É meia manhã quando uma garça se despede da erva fria. Sorrio pelas nossas partidas, no momento comum já passado.   

Afundo-me nas ideias que levo e trago nesta estrada. Chego ao emprego, anestesia fisíca das vontades da alma. Perco o tempo nas horas de sol. Deixo o suor ser feliz. 


Recordo que amanhã é dia de viagem. Dia de dar início...

Hoje ensaio. 
Amanhã, na tela nova escrevo: até já...

19.8.10

Partida


@Ana


Vem dizer-me que o corpo é um refúgio
onde a terra se esquece de nascer.

Vem chamar o mundo pelas unhas pintadas de céu

Vem fingir que caminhamos lado a lado,
tu fogo e eu cinza.

Vem sorrir a mentira do dia
e abraçar as feridas nos telhados.

Vem tocar na água que cai do meu rosto,
espelho da tua presença.

Vem sem ires embora.
Vem que voltas.
Vem.... e eu sou.

12.8.10

Balançar



@Ana



A tristeza  mais dolorosa é a que não chora.
Vem em silêncio morar dentro de nós.

Parece que não parte, finge persistir...

Mas...
Haverá sempre um mas.


E amanhã... Ir na vida! Forte...

Os vigilantes

@Ana


@Ana

 

As ruas estavam quietas. Lá em cima, depois dos degraus da colina, as casas amparam-se, protegem quem ainda mora nelas. 

Porta a porta, apercebi-me dos segredos que ali resistem. Nos quintais emergentes de plantas, o labor do mar vive em sossego. Os homens de sempre deixam as redes no cais e dão-se à conversa. Esquecem os sinais do tempo nas mãos e riem com quem chega sem conhecer.

Na Calçada do Compromisso a mercearia recebe a manhã. Pela porta aberta a luz acaricia a fruta e os pés da Dª Maria, sentada no banquinho de madeira imaginando os fregueses. Entro, compro pêssegos para o caminho. 

Compreendo então a presença. Os vigilantes, cada um em seu trono, guardando o bem em Ferragudo.
O bem ou o bom... Sorri para eles, mas eles sabem que eu sou de fora. Continuo, sem magoar a sua casa, como quem passa ao de leve, em assobio no ar. 


Voltarei... Assim, de novo, numa manhã de vagar.
  

8.8.10

Hoje é para ti

@Ana


Foi um dia longo, sentido até ao fim, tomando instantes pela alma dentro.
No carro segui  a luz nas ervas e o ar fresco que remexia os cabelos, a ir pelo caminho repetido dos dias e a ver sua revelação, o véu azul onde uma linha branca viaja, a canção em suspiro nos lábios.  

À tarde ser rio pelo corpo, levar a sombra ao chão, desejar ter voz para afirmar a alegria. 
O sol espreitava mais baixo enquanto as andorinhas rasgavam os raios em direcção a casa.  


Meu poente do outro lado, voam folhas com rabiscos de saudade até às tuas coordenadas.

28.7.10

Ao Sr. Sincero

@Ana


Em diálogo com a manhã, livro aberto sobre as pernas.
A porta fecha-se devagar, a menina sai pela claridade, ao encontro do homem.

Ele sorriu-lhe sem falar.
Ela falou sem pensar.


"Vamos dar uma volta?" - meigo convite do Sr. Sincero.
"Sim." - gemeram os olhos da menina.

Ele guardou o livro na mala, ela envolveu os braços ao longo do corpo, ambos a divagar nos truques da ansiedade. A velhinha aldeia aplaudiu os seus passos, contrariando a ausência das ruas, chorando no ar a esperança de algo novo.


Não disseram adeus.

São força e distância.



Esta noite a menina manda o último beijo ao Sr. Sincero.

25.7.10

O amor

@Ana


Duas mãos dançavam juntas, numa cumplicidade que me raptou os pensamentos.
Atrás, no banco do carro, observei como os dedos se conheciam e se confundiam para depois se encontrarem. Naquele instante reconheci...

O amor é um mergulho no mar. Sal que sangra, um susto de sonho, o suor da melodia a dois.



Habitamos as palavras antes de as sentirmos.
É difícil o exercicío da compreeensão, de ultrapassar a clausura das ideias e deixar o coração ser.

Mas acontece. É uma das páginas dessa misteriosa obra. É um dos passos do tempo da partilha.


Dançemos assim...

19.7.10

O tesouro

@Ana


Ardia o entardecer na silhueta dos montes.
Segui a luz, de infinito a infinito, descodificando os instantes mudos da paisagem.

O acontecer tornou a Terra viva, bailarina celeste, mãe e escrava do homem. 

Existimos sem pensar?


O sonho nómada descansa...

Ao sopro do ar apazigua-se a noite.
Junto as mãos.
Agradeço.

14.7.10

A paixão

@Ana


Ele já foi alto, de peito audaz e passadas longas. Os olhos estremeciam no chão e eu guardava em segredo a confusão. Foi-se o tempo.

Mais tarde tropecei, eram tantos os socalcos, o abismo que ele trazia no olhar. Eu fui, impondo a confiança, convencendo-me que agora seria momento. Ele consentiu, adiando a partida. 


Os instantes sucederam-se, assim cresci, na sombra da palavra.


E então desenhei! O meu amor em murmúrio. Na parede, amparada pelo sonho, eu esperava...

Dormia a ansiedade aquando da tua intromissão. O senhor que recusou o plural.
Frágil. A menina quase mulher embalou... És tu. Sinto. Ainda a meu lado. 


O desenho... 

12.7.10

Declaração

@Ana



Chove.
Ninguém se apercebe mas na minha mente as palavras derrubam as esperanças.


 Mastigo a tristeza. Sobre uma súbita lucidez tento encontrar-me.



Arrisco pelo impulso inocente. Ao lado o Pedro Miguel descobre a beleza de um lápis. A família vive em barulho intermitente e os seus olhos não se desviam do meu traço cabisbaixo. Menino curioso sorri e quer mais.

"Força, é a tua vez!"



Mergulho nas mãos do Pedro e esqueço.
Amanhã não será outro dia repetido.


Hoje fui em quem amo. Hoje dará até amanhã...

10.7.10

Apatia

@Ana


A noite celebra a morte dos meus olhos.
Levo a revolta até ao vento esperando pela cura.

Divide-se a dor na melodia das paredes.


Adeus luz.


7.7.10

O feitor

@Ana


O corpo apelava ao imediato retorno a casa. Entorpecida pelas ordens do carro fui seguindo a linha.
A um capricho troco de sentidos. Saio do confortável tapete de asfalto. Vou pelo caminho antigo, muros a conduzi-lo, ervas na berma, estreito e sem fim. Tudo é horizonte, ao lado verdes campos de arroz, em vertical sobrevivência, os canais de água a andar em silêncio pelas veias da terra.

Vou sem dores, embevecida pela beleza vizinha da minha casa.
Como não vi antes? Como fui muro e não voei?

Perdi-me. A estrada continua e eu já não sei bem qual é a minha direcção.
Peço para ficar aqui, suspensa nos raios de sol, sem devir e apenas indagando.
Somos uma condição adormecida e repetida? Os dias acumulam-se, somos os locais, obrigados a estar, o tempo que se impôs para cada matéria, cada passo, cada ideia. E assim suspira o vazio...

O caminho termina numa corrente de ferro, num cadeado. Passagem proibida. Abro a porta e procuro ajuda. Escondida pela cortina da porta uma senhora aguarda. Ao meu sorriso atrapalhado arrasta os pés para a rua e fala-me.

"Pois menina nós não temos a chave, só o feitor.
E ele mora longe."

Dois miúdos confirmam as meigas palavras da avô. Abalo e deixo um obrigado.
Penso no feitor. Penso nesta alegoria do presente.
Já não existem feitores. Ou será que foi só o titúlo que mudou? 
Como a estrada, de pedra para veludo.


Volto para trás.


Chego a casa sem respostas. Sem entender a ebulição do homem no tempo.

6.7.10

De costas

@Ana



Desliza abrupta a respiração.
Cai atenta a depressão.
Fato de gula e tronco saliente, venha a repressão.

Temo a sua indecisão na praça do mundo, no banco da vida...

Procura nos bolsos, aguarda a pista para o coração.


O vagar


@Ana


Não seja o existir contabilizado pelo esquecimento e sim pela exaltação.
Desisto da lamentação que torna a vida fraca e o amor lento.

Haja vagar no sangue, vulcão dos sentidos que se contêm em mim.

Reparem...
Os pássaros choram e devoram o ar em busca da sua resposta.
A laranjeira descansa na terra enquanto as formigas se atrapalham no trânsito do sobe e desce.

Deixo o meu livro, a concentração da mente anestesiada, fico tonta ao olhar para o lado.

Também adio...
Espero.

Pelo doce vencer da vontade... Vem!

1.7.10

Na estrada

@Ana


Não sei viver entre as trovoadas dos homens.
A desordem da voz, a escassez de juízo e uma alegria que se desvanece ao pestanejar das nuvens negras.
Não sei ser aqui. E não quero encurralar-me no labirinto.

Vou ao campo. Sigo o som dos passos desencontrados e as fronteiras do caminho que percorro. 
Vou a viajar, vou para ser. Junto dos melros, do sol que se deita nas laranjeiras e vê a beleza ser dourada. Mergulho os olhos até ser cega de verde, até o mundo ser o silêncio das folhas e o amanhecer um desejo cumprido. 

Respiro... 


27.6.10

O ciclo

@Ana


Gosto do meu silêncio.
Gosto de o sentir e declarar essa paz.
Assim, em simplicidade, observo o movimento alheio.
Vejo que a vida se concretiza num figo maduro, nas mãos que se afundam na areia, na Maria em feliz correria até ao mar. 

Filmo sentada na casaca de uma árvore. Não há excedente na folia da minha mente.
Se derreto, das lágrimas nascem novos rebentos de ilusão e agradeço.

Suspirando chego sem partir. 

21.6.10

As estórias do Mestre

@Ana


Se olhares para as minhas mãos verás imperfeições.
As linhas ásperas rodeiam a carne, submissa às ordens do tempo.
Agora viajam mais devagar os dedos pelo graminho. O martelo é mais leve, são penas o que cravo na madeira. Reconheço os sinais deixados na face da mão por aquela lixa que tanto usei. 
E as unhas? Oh!... Fim da luta onde nascia o feitio dos balaústres. Coitadas, em sacrifício, geladas, cediam ao capricho das máquinas. 

Tenho rugas. Sim.

Uma destas noites sentamo-nos, enquanto o lume viver, e contar-te-ei as minhas histórias.     
  

20.6.10

Dispersão

@Ana


A preguiça ataca a minha mente esquelética. Recuo...
Em meu redor as ideias passeiam-se pelo vazio, a ténue camada fértil da imaginação esvai-se com a comodidade das horas.  

Como levar adiante a semente da vontade?

Volto a casa e prendo as palavras entre as paredes. Assim não fujo, assim não desisto.
Antecipo: pó e humidade nos cadernos, folhas perdidas nos degraus da escada, a letra segura raptada para os cantos do esquecimento. 

Não adio mais.


Faço das palavras o meu pão.   

16.6.10

Os homens e os pássaros

@Ana


Quando os homens se calam os pássaros regressam à praia.
Começa lentamente o seu ritual, uma pequena fábula a quem de longe observa. 

Liberta o mar o cansaço soluçando ondas contra as rochas. As gaivotas tropeçam nos socalcos, maldizendo a areia e a sua vã generosidade.

Acho que os homens vão para perto do mar para renunciarem aí aos seus pecados, adormecidos pela névoa matinal das rotinas. Ficam até ao anoitecer depositando as suas partículas junto de outras partículas. Então os pássaros vêm e em passos vagarosos guardam o que ficou dos sonhos das crianças.

Será essa a poesia que amanhã cairá do céu. Gotas de alegria e de sal, um presente aos homens de olhos vencidos e de coração mudo.   

12.6.10

Agora

@Ana


Há quem tenha medo de perder o passado. Há quem guarde memórias acumuladas em datas, fotografias e objectos.
Eu tenho medo de perder o presente. De perder a tinta que dança nas minhas veias e me faz sentir paixão e devaneio perante a vida. Hoje vi os pássaros e, sem os invejar, dancei uma vénia em seu redor. Reconheci que as folhas caem sem dor e que as flores se escondem do amor que não chega.
Agradeço a partilha e o céu que não se acaba sobre a minha sombra. Não espero repetir.
Desejo acordar outra, outra e outra vez .

10.6.10

Pudor

@Ana


Isolo a angústia, separo-a em minúsculas ilhas que empurro para fora de mim. Resistem, teimosas, como pó acumulado nos pés.
É a recordação. Lugares que recuso deixar, paixões que me perseguem à muito, à tanto que se acaba em nada. 
Perdi-me em ti, viagem do corpo, melancolia da alma.
Renuncio ao pudor, vou... Sei que vou.
  

9.6.10

A profissão

@Ana


Vem ser a meu lado, como as espigas que se acariciam nas planícies esquecidas pelos homens.
Vamos descansar no sopro que percorre o tronco das oliveiras. 
Vem desejar o céu a cantar nos nossos lábios.
Vamos ser pedra vagueando na lavoura.


Eu e tu, indígenas na terra do amor. 


8.6.10

Descobrir

@Ana


Fiquei a pensar na tua pergunta.
Fiquei amarrada a becos com respostas inseguras.   
Deixei o perfume do campo paralisar-me e fui pela preguiça do sol em busca da razão.
Fui sem corpo ser o teu corpo.
Fui ser cega na tua força.
Fui ser bailarina no teu rosto.
À deriva respondi... Sou a euforia!

4.6.10

O desejo

@Ana


Procuro algo mais do que a insónia na espinha dos dias.
Procuro saber em que lugar se esconde o espaço do nós, esse plural nunca concretizado.
Examino as esquinas do tempo onde passei, onde ficaste, onde o tempo se negou a ser mais tempo para os dois.
Sou uma jangada de insatisfação. No meu altar espero a chegada do consolo.
Por um momento fui rainha no teu país. Obedeci ao desejo e cantei...
Em segredo, sempre que o silêncio engole o ar, eu canto... Eu amo. 


3.6.10

O meridiano

@Ana


Informo ao mar que será meu leito.
Para trás a cinza, fadiga dos homens que não partem.
Preparo-me... Escondo no bolso algumas folhas e uma velhinha caneta.
Deixo a enxada a pernoitar numa nuvem e peço-lhe que não vá embora. 
Depois do nada, que é a sedução dos olhos, voltarei.
O corpo ausente repara enfim que a vida acontece. 


2.6.10

A estreia



@Ana


A manhã chega sem convite e entra. 
No murmúrio das estrelas declara-se a sua estreia.
A noite senta-se ao seu colo enternecida de paixão.
Amanhã será outra manhã imergente do escuro e da cor.
O esboço de uma lágrima de luz principiou a viagem.
Sem idioma ou razão, ela escreve.
Derrama o mundo que traz dentro de si em palavras, na quente tortura de um lápis.
Irá repetir-se, voar e desfalecer. Será fome e sede nas linhas onde caminha.
Afastam-se os lençóis, levanta-se a canção, a menina mulher é árvore.

Seguidores