@Ana
O corpo apelava ao imediato retorno a casa. Entorpecida pelas ordens do carro fui seguindo a linha.
A um capricho troco de sentidos. Saio do confortável tapete de asfalto. Vou pelo caminho antigo, muros a conduzi-lo, ervas na berma, estreito e sem fim. Tudo é horizonte, ao lado verdes campos de arroz, em vertical sobrevivência, os canais de água a andar em silêncio pelas veias da terra.
Vou sem dores, embevecida pela beleza vizinha da minha casa.
Como não vi antes? Como fui muro e não voei?
Perdi-me. A estrada continua e eu já não sei bem qual é a minha direcção.
Peço para ficar aqui, suspensa nos raios de sol, sem devir e apenas indagando.
Somos uma condição adormecida e repetida? Os dias acumulam-se, somos os locais, obrigados a estar, o tempo que se impôs para cada matéria, cada passo, cada ideia. E assim suspira o vazio...
O caminho termina numa corrente de ferro, num cadeado. Passagem proibida. Abro a porta e procuro ajuda. Escondida pela cortina da porta uma senhora aguarda. Ao meu sorriso atrapalhado arrasta os pés para a rua e fala-me.
"Pois menina nós não temos a chave, só o feitor.
E ele mora longe."
Dois miúdos confirmam as meigas palavras da avô. Abalo e deixo um obrigado.
Penso no feitor. Penso nesta alegoria do presente.
Já não existem feitores. Ou será que foi só o titúlo que mudou?
Como a estrada, de pedra para veludo.
Volto para trás.
Chego a casa sem respostas. Sem entender a ebulição do homem no tempo.